Pássaros-poemas

Anhuma

Violeiros das duas bandas do São Francisco, no sertão mineiro, têm o dom de ouvir, de reproduzir na viola o canto da anhuma. Invencionice, coisa de criatura ou um elemento mágico, uma revelação? Todos sabem, aprenderam com os avós.

Foto: Tavinho Moura

Anhuma não canta, afirmou o padre. Pois elas estão cantando, disse o rapaz, e prosseguiu: o senhor não ouve porque não tem fé.

Minha companheira de música, é triste seu desassossego, que vem desde o descobrimento. Caçadores te comparam aos perus e curandeiros querem de seu chifre poderes mágicos. Guarde-se em alertam retirada nas mais distantes lagoas. A insensatez pouco sabe ou nada conhece de seus rumores solitários, no fim da tarde, sua música nos alagados.

Beija-flor

Beija-flor, feito de cores e açúcar. Tons metálicos adejantes diante das ramarias floridas. Pai e mãe de florestas inteiras dependentes de seus beijos. Zoa feito besouro cortando ar e nos deixa intrigados. Seu coraçãozinho pode percutir seiscentas batidas por minuto e chegar a mais de mil e duzentas. Quando é noite, em sono letárgico, percute 35 vezes, podendo o beija-flor ser apanhado à mão. Há, entre eles, cantores compulsivos de uma música quase inaudível, com diferentes sonoridades e fraseados melódicos. Um raio solar e o beija-flor fica verde-luminoso, azul com roxo e amarelo, os rubis dos colibris, cores de flores preferidas como as Lantanas.

Foto: Tavinho Moura

Temos para com esses passarinhos uma dívida impagável.

Inverte-se, e o selvagem somos nós. impusemos a algumas espécies de beija-flores o fim. Só no ano de 1967 é que foi proibido o comércio de pele de beija-flores. Num leilão em Londres foram vendidas 37.600 peles de beija-flor provenientes do Brasil.

Mãe-da-lua

Foto: Tavinho Moura

Ave sem aparência, de exterioridade enganosa, não insinua pássaro: no chão é chão, na madeira é galho, na pedra é pedra. Tem nas pálpebras superiores duas incisões que a deixam ver mesmo estando de olhos fechados. Duas capelinhas por onde tudo passa. A voz da mãe-da-lua arde pelo ar um verso longo que se derrama grave ao final da escala. O escuro teme o trino sombrio, a inesperada melodia que acalma e aterroriza a noite brasileira.

Manuelzinho-da-crôa

Água só água só só só… para um aquático manuelzinho-da-crôa, a ave mais bonita e mais graciosa das praias de rio… “é preciso olhar para esses com todo carinho”, disse Diadorim e aquilo dito com ternura de voz por um jagunço dos brabos causava espanto. Riobaldo sempre lembrava: “de todos, o pássaro mais bonito, gentil que existe é mesmo o manuelzinho-da-crôa”.

Foto: Tavinho Moura

Seriema

Afinando as gargantas em harmonioso ensaio, seriemas armam seus duetos. O duo vibrante ecoa nos barrancos, se multiplica percutindo pelos pastos. Na seca, ficam como capim maduro, empoeiradas, cáquis e sem viço. Quando é setembro de chuvas novas, nuvens escuras e tudo cheira mato e terra, de plumagem renovada cacarejam nas manhãs e tardes, uma após a outra, um decorado demorado cheio de saudades.

Foto: Tavinho Moura

Surucuá

Foto: Tavinho Moura

Tem o capitão-do-mato natureza alegórica. Fardado de intensas cores uniformes e puras, cercadas por uma aplicada linha guia, em combinação suave e correta. De dentro da vistosa plumagem um canto claro: a clamorosa melodia do surucuá. Pássaro lamento.


* Tavinho Moura é músico, compositor, fotógrafo e escritor

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