Árvores do Sertão: Buriti (“Mauritia flexuosa”)

“Pergunto coisas ao buriti;
E o que ele responde é a coragem minha. Buriti quer todo o azul, E não se aparta de sua água —
carece de espelho.”

Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas

O buriti, de tão imponente que é, se vê de longe. É difícil olhar e não admirar.

Com folhas estreladas e cachos de frutos saborosos, o buriti é uma espécie típica das veredas. Foto: Mariana Cabral.

Suas folhas, em formato de leques, parecem acenar aos olhares curiosos. À medida que o vento sopra e os raios de sol iluminam, parecem dançar de forma sincronizada, como uma miragem. Guimarães Rosa já eternizou os ambientes do Grande Sertão, onde encontramos o buriti, como verdadeiros oásis. Nas veredas, tão lindamente descritas por Rosa, o buriti é um elemento importante e sempre motivo de admiração e reflexão. Não por acaso, ele é motivo de devoção. Essa palmeira de caule solitário, do tipo estipe, emergente, pode alcançar até 20 metros de altura. Na paisagem, ele se sobressai em relação às outras espécies arbóreas e por isso ocupa o estrato mais alto, sempre em contraste com o azul do céu. Outra informação importante trazida pelo verso de Rosa é que o buriti não se aparta de sua água, o que revela seu ambiente — solos encharcados pelo afloramento do lençol freático e pela abundância de água. As veredas são verdadeiras nascentes e a água oxigena as raízes dos buritis. Onde tem buriti, tem água corrente. A conservação das veredas permite a ocorrência não só dessa árvore-símbolo, mas de centenas de outras espécies. Suas raízes podem ser sufocadas por assoreamento, quando não há manejo adequado do solo depois do desmatamento do cerrado, o que causa a morte das plantas.

O nome científico Mauritia flexuosa  ilustra a característica dos cachos dos frutos dos buritis. “Flexuoso” significa “tortuoso, sinuoso, torcido”. Se observarmos os cachos repletos de flores e, depois, frutos, podemos ver que são dispostos em perfeitos zigue-zagues, como se fossem caminhos cheios de curvas e interrupções, mas que seguem e seguem — tal qual nossa vida. Ê buriti para nos dar lindas lições!

Vereda das Flores, no Parque Estadual Veredas do Peruaçu. Foto: Mariana Cabral.

O buriti é fonte de vida. As plantas apresentam flores masculinas e femininas em indivíduos separados. As masculinas, produtoras de pólen, atraem pequenos besouros que o transferem para a flor feminina. Assim, com a fecundação, dão origem aos frutos. Com os frutos, riquíssimos em minerais, inúmeros alimentos e produtos são produzidos pelas comunidades tradicionais e até mesmo por grandes indústrias. Os usos mais frequentes dos frutos são in natura ou como base para preparação de óleos, doces, sorvetes, farinhas e cosméticos. Mas a planta inteira tem potencial de uso: a medula é consumida como palmito. As folhas são usadas na confecção de artesanato e em coberturas de casas, assim como os estipes. Os pecíolos, que são muito leves e resistentes, são usados para a produção de artesanato e utensílios. Já as inflorescências são matéria-prima na produção de vinhos e as sementes e folhas vão parar em mais artesanato. Todo o buriti é fonte de importantes recursos, sobretudo para comunidades locais e tradicionais, como veredeiros, geraizeiros, indígenas e quilombolas. A avifauna também se esbalda consumindo os frutos, é só observar as araras.

Assim, conservar as veredas e, consequentemente, os buritis, torna-se uma tarefa importante e urgente. Responsabilidade de todos nós. ∞


*Suzana Neves Moreira é bióloga e doutora em biologia vegetal. Nascida no interior do Mato Grosso do Sul, encontrou nas veredas e na docência as motivações para querer mudar o mundo.

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