Diz

Aleixo Feliciano Souza * – Patos

“Pois é, mas na água dele a história que a gente sabe, o motivo é assim, como eu tô dizendo, que naqueles tempos ele era um rio muito forte de água. Tinha toda natureza, assim, de criação, de coisas bruta, do mato, como tem… num tem o que o povo fala…. o caboclo d’água? Pois é, essa Carinhanha nossa tinha. Sim, o caboclo d’água. Que eu mesmo conheci. Às vezes a gente fala isso, o povo pensa que é uma história, mas eu conheci. Porque ela era muito alta, aqueles rião, que a água chegava a balançar, assim. Então eles moravam nesses lugares. Às vezes, quando dava nas primeira chuva, que começava a trovejar, eles vinham aqui nessas beira, a gente rodava, via eles. Esses molecão, assim com a cabeça esquadrejada, assim como se fosse uma rapadura. Via tudo, esses bichão, aqueles molecão preto. Aí, eles via a gente e caía lá n’água, lá. E nós, como era menino, assim, uns rapaz novo, nós ainda ia olhar. E os pai brigava, ‘menino, cê num tem medo desse caboclo puxar ocê aí pra dentro d’água, menino?’. ‘Mãe, nós vimo um molecão lá, um homão, caiu den’d’água de cabeça pra baixo!’. E nós nem aí ó. O rastro dele era assim… Ele não fazia rastro que nem nós, não. Era assim aquele pé moiado, como fosse de cabelo, saía aquela cabelada assim no rastro dele assim, moiada, até onde ele caía na água. Num fazia rastro que nem nós assim, pra fazer o pé. O pé dele, assim, parecia que escorria água, ficava aquela fiapêra. Mas era uma coisa. E hoje cê não vê. Nesses lugar que a gente via eles, às vezes eu chamo os menino e falo assim, ‘ó, menino, aqui era o lugar onde nós via o caboclo d’água’. Hoje tá igual esse terreiro aqui, tá uma praia lá nesses lugar. Então esses tipo mudaram tudo, não sei onde é… Eles mudaram, pra outro lugar. Aqui na Carinhanha você não vê mais.”

Foto: Marcela Bertelli

Por Dionísio Nunes de Sousa** – Carinhanha

“É um neguim, é um neguim, ele é encantado, ele. Cê vê ele, mas ele pode se encantar, passar no barranco alto. De dia, ele passa no seco, tá um barranco bem alto. E, se quiser, é… coisa com ele, ele persegue a gente do mesmo jeito de uma pessoa pra matar. Eu tava no rancho, eu era rancharo lá no rio. Todo dia eu via ele. Todo dia nós ia, levava uma garrafa de pinga e um pacote de fumo pra ele. No dia que nós num levava ele num botava peixe na rede. Ó, Zé Bexiga, ele pescava mais eu, um dia nós descemo, aí a rede enganchou no meio do lance, eu digo, ué, aqui num tem gancho. Aí nós num tinha levado o fumo nem a pinga pra… Porque nós ia e soltava no pé da boia, né. Aí eu tava tirando já a brusa pra margulhar, aí Zé disse, ‘é cumpadre d’água’. Eu digo: ‘meu cumpadre, solta a rede, que amanhã nós levemo a pinga, porque num tinha. Mas aí nós leva, cê bota um peixim na rede’. Ele foi, soltou a rede. A rede caminhou. Todo dia nós levava, nós já tinha devoção de levar todo dia de tarde. Soltar lá no pé da boia. Ali naquele lance ali, Pedro. Ali perto da barra, na Ilha da Encrenca. Foi aqui, no São Francisco. Carinhanha é difícil ter ele. Mas tem. Mas diz que antigamente tinha. É que o rio secou, ele só fica mais em lugar fundo.”

Antônio da Silva Gramacho*** – Salobro

“Vinha uma turma de nós, descen´den´do rio, devia ser uns oito, dez. Vixe, tem muitos anos. Quando nós chegou no ponto do porto da canoa, os menino tudinho procurou o lado da banda, que eles iam mais beirando Minas. Nós morava em Minas. Eu tava mais pro lado da Bahia. Entusiasmei de ir pro lado da Bahia. Quando eu já tava assim mais perto, mas quase no meio do rio ainda, ele atravessou n’eu assim, na minha barriga. Me arribou dessa altura aqui da água. Ele entrou debaixo da minha barriga aqui, me fez assim, ah! E tornou a descer. Mas eu nadei pra encostar com tanta velocidade que, quando eu encostei no barranco, eu não guentei tirar o corpo de dentro d’água, o corpo parece que anestesiou tudo. De cansaço, de tanto esforço. Mas ele não me deu pancada, não. Senti que ele era cabeludinho, que eu senti o cabelo maciinho na minha barriga.”

Foto: Marcela Bertelli

Feliciano Rodrigues dos Santos**** – Carinhanha

“Cumpade D’água. Aqui nesse rio Carinhanha aqui, aqui tem. Agora não, né, que o rio secou demais. A gente nem sabe se eles tão morando mais aí. Teve uma vez aí mesmo que uns cara de Belo Horizonte veio aí, o remanso fundou o barco deles, derrubou os motor, veio uns corpo de bombeiro lá de Belo Horizonte aí, mergulhou, mergulhou, entrou dentro do túnel aí, diz eles que tinha lugar lá que parecia uma cidade lá debaixo desse lugar lá. Diz eles que era. E num achou os motor, não. Diz que eles faz a casa lá igual aqui seco – mas é no fundo d’água. Esses lugar que tem pedra, aí. Hoje em dia não existe isso mais, não. Cabou tudo. O rio secou. Isso foi naquela época que tinha rio ainda, tinha cheia. Mas hoje, cabou tudo. Só se for pro lado da barragem pra lá. 

Natalina Meneses da Cruz Santos***** – Carinhanha

“Eu não, tem hora que eu digo ‘ê, meu cumpadre’, num faço medo, não, eu nunca vi. Travessava o rio aí, nós dois, eu via minhas irmã de lá, tornava a ir pra lá, nunca vi. Mas eles conhece nós. Às vezes eles conhece nós, desde pequeno nós mora na beira do rio. Eles chega perto de quem eles num gosta e igual, às vezes faz alguma coisa com ele. Aí agora ele pirraça mesmo. Eu não vi, mas teve gente que viu. Foi tudo pescar, diz que esse homem pescou, pescou, num matou nenhuma piaba. E os outros pegava, matava. Aí até falou que ele tava encantado, né. Aí o outro foi embora, ‘ah, num matei nada’, e foi dormir na grua. Aí chegou, desse tamaninho, o homem. Ele tava lá quieto na grua. Chegou, ‘Ê, Pedro, levanta! Por que que os outro tá pescando e cê num tá?’. Aí disse que ele falou assim, ‘Num vou, porque os outros tá matando peixe e eu num matei nenhum.’. ‘Qual é o peixe que cê qué?’. Aí diz que ele falou, ‘Rapaz, quando aquela estrela grande sair, cê vai lá naquele pé de pau lá, cê vai pegar três Mandim. Três Surubim, que cê vai pegar. Mas cê num fala.’. Aí ele voltou, caiu n’água e foi embora. Aí, quando chegou no horário, o homem levantou, falou, vou pescar. Do jeito que ele falou, aconteceu. Que aconteceu, pegou os três Mandim, voltou com três surubimzão. Ele chegou premero do que os outro companheiro que tava no rio. Voltou, deixou o peixão lá dentro do barco, foi deitar. Aí os outro chegou, falou: ‘Ééé! Ele tirou o dedo do cu, três surubim que Fulano matou! Moço, que foi que ele teve?’. Chegou lá, ‘Fulano, fulano!’, ele, ‘Ô!’. ‘Moço, cê pegou três surubim!’. O dever dele, ‘Foi Deus quem me deu.’, né? Que ele pediu pra num falar. O compadre pediu ele pra num falar pá ninguém. Tá compreendendo? Os outro chegou e falou, ‘Moço, cê hoje tirou o dedo do cu, cê pegou três surubimzão? Ahh, num pode!’. O dever dele, ‘Foi Deus que me deu, moço!’. E depois, ‘ah, cê num sabe quê que aconteceu’. O homem falou, ‘O que foi?’, os companheiro dele. ‘Depois que cê saiu, veio aqui um homim assim, pegou, falou pra mim pescar.’. ‘Foi?’, ‘Foi!’. ‘Aaah!’. Ele foi lá, quando tava no rio sozinho pescando, ele saiu da beira, o cumpade, ‘Mas o que foi que cê falou?’. Pegou assim, tá! Tá! Deu uma sova nele dentro d’água. Tá! Tá! ‘Agora nunca mais cê fala!’. E tá certo, como é que fala uma coisa e vai fuxicá?”

Imagem em destaque: Marcela Bertelli


*Aleixo Feliciano Souza é produtor rural, professor popular e morador da comunidade tradicional de Patos, município de Januária

** Dionísio Nunes de Sousa é pescador de Icó (CE) morador de Carinhanha (BA).

*** Antônio da Silva Gramacho é produtor rural da comunidade tradicional de Salobro, município de Cocos (BA)

**** Feliciano Rodrigues dos Santos é pescador e remeiro de Barra do Parateca (BA), que vive hoje em Carinhanha (BA) com a companheira, Natalina.

***** Natalina Meneses da Cruz Santos é pescadora de Malhada (BA), que vive hoje em Carinhanha (BA) com o companheiro, Feliciano.

O que você achou dessa matéria?
Conta pra gente.

Todos os campos devem ser preenchidos. Seu email não será publicado.