Diz: tempo do Quetaí

José de Sousa Xakriabá

São João das Missões/MG

E aí, eles falava assim na história do tempo: a gente vai passar por uma época, que vem uma crise por nome de Quetaí. Quando chegar esse tempo, pra onde irá? Cada um ficará aonde estiver. Porque qualquer canto do mundo é do mesmo jeito a situação. Então, chamava assim. Aqui, eles chamava Quetaí. Parece que é essa que nós tamo vivendo agora. Será que tá certo?

Jacinto Pereira de Souza

Comunidade Estiva, Chapada Gaúcha/MG

Essa é a história que o meu avô contava. Porque ele contava, assim, nas fogueiras de São João, a gente naquelas beiras pra fazer fogueira, que a gente era moleque, ele falava que vinha um tempo que o pessoal ia virar formiga; uns indo, outros voltando. Então, a gente ficava meio preocupado com isso. Ele explicava que o pessoal vendia suas terras, uns iam embora, outros voltavam pra aqueles lugares. Não sossegavam. Aí, diz que vinha um tempo do Quetaí onde que a pessoa tivesse, ficava, né? O Quetaí, a gente ficava impressionado, só que eu não me lembro mais como era a explicação dele sobre o Quetaí, porque era, porque não, que o povo tinha que parar. E hoje a gente tá vendo a história do Quetaí, que chegou porque essa tal de pandemia, essa doença, parou o mundo inteiro. Os filhos que tão fora não podem ir visitar os pais e os pais não podem visitar os filho. Então, aonde a pessoa tá, ficou, né? Tá parado. Então hoje ocorre o sentido dessa história que meu avô contava. E ele disse também que vinha um tempo que o mundo tomava conta de cerca de espinho… já passou também, porque o povo cercou o mundo inteiro de cerca de arame farpado. Essas firmas que chegaram também, barrou muito, cercou muita terra. Então, hoje, onde é que o pessoal tá, tem que tá parado. Hoje ninguém tá saindo mais, né? Chegou o tempo de Quetaí mesmo!

Elomar Figueira Mello

Vitória da Conquista/BA

O Quetaí é uma expressão usada, muito pelos catingueiros do século passado pra trás. Que nesse século, os catingueiros de hoje estão tudo civilizado e tudo falando inglês, né. Pois bem, eu ouvia quando era menino, já grande, até eu moço, aquelas velhas catingueiras macróbias (?), por exemplo, a vó de Zé Cândido. Ela contava que os mais velhos, mais antigos dizia que “havéra” de chegar um tempo… – são velhas profetizas, né? Profetas, sobretudo as mulheres – “havéra” de chegar um tempo de todo mundo quetar onde está. Ia ser tão difícil a vida, que você, era melhor você ficar onde você está do que deslocar pra outro lugar procurando melhoria. Porque você ia encontrar “pioría” em vez de melhoria. Então, essa expressão, ia chegar o “Tempo do Quetaí”, quer dizer: fica quieto aí! Hoje, com essa zorra desse vírus, essa peste, seria o seguinte: uma espécie de “fique em casa”, numa tradução bem ruim, bem moderna. Que tudo que é moderno é feio, é ruim. A versão do Quetaí é o “Fica em Casa”, que tá em toda média aí de televisão, de rádio, de boca em boca. Isso vem do século XVII – final do século XVI para o século XVII; assim que o sertão foi povoado é que eu tenho notícia das primeiras profetisas catingueiras. Quer dizer, é justamente um contraponto de outra profecia, que os antigos diziam que o sertão “haverá” um dia de ser todo cruzado de caminho, de estrada pra passar os cavalo de ferro. Olha que coisa mais linda, né? Isso lá pelo século XVII, começo do século XVII. Que ia ser cruzado de caminho pra passar os cavalos de ferro. O que? O trem, automóvel, moto etc. Isso aí foi o que eu aprendi desde menino.

Imagem em destaque: Mariana Cabral


* José de Sousa Xakriabá é indígena do Povo Xakriabá. Um dos mais velhos da aldeia, rezador, folião de Reis e jogador de Lôas (versos) da Terra Indígena Xakriabá.

** Jacinto Pereira de Souza (Jau) é morador da Estiva e guarda-parque no Parque Nacional Grande Sertão Veredas.

*** Elomar Figueira Mello é músico, compositor, violonista e cantador brasileiro.

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