Noite de festejo no terreiro de Maria. Um rasgo de silêncio em meio ao batuque parece louvar aos quatro cantos a fábula de um sertão profundo. Nas correntes do rio São Francisco, um giro singular da água parece transformar uma mulher – após a morte do marido, Bastú reafirma sua dor e sua potência frente à perda. Nas fronteiras da ficção e da prática documental, o filme Girimunho (Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina, 2011) nos insere não somente no drama da saudade como também nos apresenta o norte de Minas Gerais e as profundezas da vida sertaneja na cidade de São Romão. Neste inevitável giro da morte, mergulhamos no mundo do tempo expandido e do espaço potencialmente vazio. Locações que abrem o plano ao seu inevitável atravessamento, por itinerários que incluem desde grandes e evidentes deslocamentos até o mais elementar caráter de movimento. O fluir dessa mulher pela jornada do filme provoca a potência de sua própria potência, provoca a reflexão de seu lugar complexo, contraditório, vulnerável às forças do girar das águas. Deslocamentos profundamente internos e movimentos poeticamente visíveis recorrem no filme como metáfora de um drama global da vida e da morte, com performances humanas possíveis entre um mundo e outro. Potências latentes, microrrevolucionárias, que criam o espaço da contradição e da complexa condição de mulher no sertão mineiro. Estaríamos nós, em Girimunho, em movimento profundo? A protagonista no abalo da partida, o filme em seus arranques afetivos e o espectador nas correntes agitadas que habitam a tela e o mundo? Quem sabe nos tornos do Girimunho esteja o cerne de um caminhar interno, sem ponto e outro, cuja potência de um fluir micropolítico seja inspiração para o caos da realidade? E assim escutar a grandes ou pequenos passos o que Chico Science um dia gritou em sua música, “um passo à frente e você não está no mesmo lugar”, e Siba, cansado de ver o mundo rodar: “toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”.
Imagem em destaque: Cena do filme Girimunho, de Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina
*Diego Zanotti é documentarista e integra o projeto Cartografia do Documentário Brasileiro.