“Um ser diminuto, minúsculo, invisível até para alguns microscópios, mas que gera algo tão grande, mundial. O ser humano não está no topo da cadeia, não é invulnerável, o dono de tudo, o dono da razão. Dá pra tirar muita lição, muito aprendizado disso tudo.”
Algo minúsculo mas que está nos ensinando algo, como nos disse acima Joel Sirqueira, coordenador de trabalhos com extrativismo e agricultura familiar e professor no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais. Um vírus que fez o mundo inteiro dar uma volta grande e estranha, que mudou nossa maneira de conviver, trabalhar, construir e entender o valor da vida.
Enquanto cientistas em todo o mundo esforçam-se na busca de remédios e vacinas que tragam a cura para uma enfermidade ainda pouco conhecida, em cada lugar, cada casa, cada comunidade, a necessidade de proteger vidas se impôs de maneiras diferentes.
Célia Xakriabá diz que “é a força coletiva que temos em tudo, na escrita, na narrativa, na organização, todos os recursos de conhecimento, tudo o que aprendemos e possuímos como memória do nosso povo está sendo utilizado”. Ela sabe que, quando morre um indígena, “somos nós que perdemos a história e a memória coletiva, é menos uma mão segurando o nosso maracá.” Por isso, a luta dos Xakriabá é por permanecerem em casa mas também por direitos de proteção do território, de autonomia alimentar, de visibilidade em um contexto de violências históricas, que se intensificaram com os riscos do Coronavírus, mas que sempre existiram.
Precisamos do encontro para produzir, fazer circular as coisas e trazer de volta para casa os bens que precisamos para viver. As necessidades de cumprir o isolamento físico, parte importante das medidas de prevenção à Covid-19, nos trouxe a possibilidade de evitar o contágio e portanto de preservar vidas. Contudo, trouxe a falta de circulação da renda, de alimentos, de atendimento escolar, social e de saúde preventiva, e tantos outros desafios. Evidenciou, ainda, um outro tipo de necessidade: precisamos do que alimenta o nosso coração.
“Antes do vírus, chega o medo, chega o outro vírus que é a falta de alimentos, o agravamento da vulnerabilidade”, nos lembra Célia. Chega também o medo que paralisa, porque “ninguém esperava, não estava no mínimo possível de planejamento, mesmo pensando em tantos riscos que já existem no trabalho com agricultura”, comenta Joel. Mesmo o acesso ao auxílio emergencial conquistado por algumas famílias precisa ser feito com deslocamento até o banco, o que parece ambíguo como medida de proteção social.
No território do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, os modos de vida tradicionais sobrevivem de forma dinâmica e em constante diálogo, na memória coletiva, no afeto e nas formas de reciprocidade, sistemas de trocas e de produção a partir da potente relação entre o quintal e o Cerrado. É assim com a cultura material, mas também com as expressões imateriais e da religiosidade. Dá pra imaginar um mês de junho sem a Festa de Santo Antônio em Serra das Araras? Ou sem ouvir a cantoria da Folia do Divino na comunidade de Buracos?
Mas, neste momento, as famílias precisam permanecer em casa. Cuidar da vida, proteger os mais velhos, tornou-se mais imperativo do que sempre foi. E assim muitas atividades foram afetadas. Joel conta que o isolamento social é o contrário da dinâmica social da produção agrícola e agroextrativista, onde os mutirões, as reuniões de cooperados, são fundamentais para sustentar o funcionamento das cooperativas. E comenta que “a agroindústria é toda interligada, pois tem pessoas que extraem, produzem, processam, embalam, transportam, distribuem. Algo que precisa a mão de obra do vizinho, o ajudante pago por dia de serviço, ir coletivamente beneficiar; isso tudo deixa de acontecer ou acontece de forma mínima e precária, o impacto é enorme”. Ele ainda complementa dizendo que, além do trabalho paralisado, os produtores devem ficar meses sem capacitação, sem receber informações, e quando a Covid-19 chega ela assusta muito porque os encontros que o trabalho proporciona também ajudam a construir juízos sobre a realidade, fundamental para a consciência coletiva dos problemas e a busca de soluções. “Como colocar um produtor agroextrativista em home-office?”
Assim, mais do que nunca, é um momento de reconhecer a marca do associativismo e do cooperativismo, influenciando o tipo de solidariedade que rege as relações sociais em toda a extensão do Mosaico.
Outra atividade importante hoje no Mosaico é o turismo de base comunitária, que constitui uma rede de receptivos familiares e pousadas, guias e condutores ambientais, restaurantes e cozinhas comunitárias, artesãos, barqueiros, pontos de cultura, alambiques, serviços de receptivo de parques e atrativos, entre outros. A rede é parte importante da geração de renda na região. Mas além de participar na composição da renda de muitas famílias, é também um agente importante de proteção às comunidades tradicionais. Muitos dos guias são moradores que agora atuam na mediação com quem chega de fora, na organização de distribuição de cestas de alimentos e no diálogo com as pessoas que, por terem visitado o território, tornaram-se parceiros em campanhas de ajuda humanitária.
Desde o início do isolamento físico exigido como condição de prevenção à Covid-19, redes de apoio e solidariedade movimentam a região para atender as demandas alimentar e sanitária, a necessidade de informações seguras, a mobilização e circulação da renda, além da identificação e cuidados com grupos mais vulneráveis. Tudo para proteger e ajudar as pessoas a permanecerem em casa, nutrindo-as de alimentos, companhia, segurança e confiança no futuro.
Algumas organizações têm um histórico antigo de relação com os municípios e suas comunidades, sendo inclusive criadas e mantidas por moradores locais e agregadoras do voluntariado de pessoas nativas. Seu profundo conhecimento da região do Mosaico faz com que o direcionamento das ações de apoio seja mais efetivo e equitativo.
Surgiram campanhas como a Nutre Sertão Veredas, promovida pelo Instituto Rosa e Sertão, de Chapada Gaúcha. A partir de uma articulação que teve como fonte de recursos doações de pessoas físicas e jurídicas, além de parceria com a Fundação Banco do Brasil, o Rosa e Sertão adquiriu produtos da agricultura familiar junto à Cooperativa Sertão Veredas, organizou uma rede de voluntários e agora estão distribuindo alimentos, materiais de higiene e limpeza, além de material de artes para crianças, em 40 comunidades tradicionais do território, ofertando também orientações seguras a partir de uma rede de jovens que produzem podcasts e vídeos pedagógicos. A campanha carrega, também, a identidade da organização na sua relação com as comunidades, tendo como marcas o afeto, a linguagem poética e musical e o protagonismo feminino. Assim, “nutre-se não apenas de alimentos, mas de atenção, respeito e verdadeiro afeto pelas pessoas, fundamental neste momento de incertezas e violência em tantos âmbitos da vida”, comenta Damiana Campos, do Rosa e Sertão.
O WWF-Brasil é uma das organizações que também atua no Mosaico, e concentrou ações emergenciais contra a Covid-19 no Brasil atendendo a populações da Amazônia e do Cerrado, beneficiando indígenas e agroextrativistas. No Cerrado, foram apoiadas 50 famílias indígenas da etnia Xakriabá, que receberam doação de cestas básicas e produtos de higiene, em parceria com Cáritas Diocesana de Januária, Minas Gerais. Vale lembrar que os Xacriabá são a maior população indígena de Minas Gerais. Além disso, a organização realizou a compra de parte da produção do agroextrativismo, de embalagens e equipamento para cooperativas, além do pagamento de diária de cooperados. Para a Cooperuaçu, por exemplo, realizou a doação de um freezer com capacidade de armazenamento de 600 kg, o que tornou possível estocar parte do que não está sendo vendido no momento. “Reconhecendo que são os guardiães do bioma que estão vivendo esse momento tão difícil, decidimos atuar emergencialmente para apoiá-los”, conta Vinícius Pereira, analista de Conservação do WWF-Brasil. Desta maneira, o efeito destas ações é duplo. Garante a renda de quem produz e a chegada de alimento de qualidade à mesa de quem precisa.
Meire Reis, coordenadora de projetos da Cáritas Diocesana de Januária menciona a campanha É Tempo de Cuidar, ação que partiu da CNBB – Conferência Nacional do Bispos do Brasil e da Cáritas Brasileira mas que, ao chegar à região, ganhou contornos próprios. A campanha, no território, é um grande guarda-chuva, que comporta, também, projetos emergenciais apresentados a diversas fontes de apoio financeiro para fazer frente à pandemia, em uma parceria da Cáritas e Diocese de Januária. É assim que, até o momento, somente esta organização conseguiu impactar cerca de 3.300 famílias, principalmente com a distribuição de cestas de alimentos, produtos de higiene e de proteção pessoal.
Não só as famílias que recebem as cestas são beneficiadas. Há uma preocupação, em todas as ações que têm sido realizadas no território, em garantir o escoamento do que é produzido pelos pequenos agricultores, extrativistas, artesãos e cooperativas. Com isso, o recurso se multiplica e seu resultado ganha mais força. É o que lembra Suzana Escobar, professora do IFNMG – Instituto Federal do Norte de Minas e membro da diretoria da Cáritas Diocesana de Januária. Ela recorda que, no caso das cestas montadas pela Cáritas, por conta dos projetos desenvolvidos anteriormente, souberam o que procurar e comprar em cada comunidade. Levar alimento, conforto, possibilidade de permanecer em casa e, mais do que isso, fazer brilhar os olhos. “A cesta ficou linda!”.
O povo Xakriabá tem conseguido proteger seu território por meio de ações de mobilização própria, e está conduzindo o Monitoramento Comunitário da Terra Indígena. Conta com o apoio de ONGs e de Universidades nas ações do Monitoramento, na produção de testes e na arrecadação de cestas de alimentos para as famílias que precisam. Célia Xakriabá é enfática ao lembrar que o genocídio do povo indígena sempre esteve presente nas disputas políticas, na ocupação dos territórios e nas lógicas de produção e de consumo. Recorda também que seu povo já enfrentou outras epidemias, como a de sarampo na década de 80, que matou em média 2 pessoas por família indígena e a meningite na década de 90, que matou em média 1 pessoa por cada família. “Então pra nós a história mostra que o risco real, e por isso todo o esforço é para proteger as pessoas.”
Assim, desde o dia 19 de março a população Xakriabá e suas lideranças tomaram como medida colocar faixas por todo o território, impedindo a circulação de pessoas de fora por tempo indeterminado. Era uma medida emergencial, que possibilitou à organização interna montar um sistema eficaz para monitorar a circulação de pessoas, com a possibilidade de identificar o círculo familiar de um doente, por exemplo, dando atenção sanitária adequada e ajudando a proteger os demais moradores. Os dados do monitoramento auxiliam os serviços de saúde, as lideranças indígenas na tomada de decisões e as próprias famílias. Esse é, também, um tempo de recolhimento e espiritualidade, de cuidados. O trabalho conta com uma rede de 60 mulheres engajadas na confecção de máscaras e o esforço de todas as gerações, de estudantes e profissionais da saúde, na proteção das pessoas e do território.
Perguntada sobre o que como a luta indígena, neste momento, pode nutrir de força e esperança outras pessoas, povos e comunidades, Célia Xakriabá foi claríssima: “As pessoas sempre pensam no poder, nas estruturas de poder, mas eu acredito na luta coletiva como poder. Não podemos, mesmo com todos os nossos esforços, salvar a vida. Mas podemos nutrir essa esperança, transformar essa consciência. O que vai curar esse momento não é o princípio ativo pesquisado nos laboratórios. O que vai curar esse momento também é o reativar dos nossos princípios de humanidade. Porque se a população brasileira não entender a importância dessa solidariedade coletiva com os povos indígenas, quem sobreviver vai ter que enfrentar as mudanças climáticas. Sem os povos indígenas, o Brasil vai ter outra falta de ar, para a qual não existe cura, porque perdeu o seu princípio ativo, porque somos nós que protegemos a biodiversidade do mundo”.
Artistas locais de todo o território também se movimentaram usando as ferramentas digitais. Uma série de lives, algumas feitas para arrecadar recursos direcionados às comunidades foram e continuam sendo realizadas. Uma live do músico Roniéliton Fagundes, em parceria com o Mesa Brasil e o SESC arrecadou, só em alimentos, mais de 3.600kg, que seguiram para famílias em situação de vulnerabilidade de Januária. Para além da arrecadação financeira e de itens essenciais, importa muito perceber que esta agitação – principalmente musical – anima, garante fôlego e coragem aos que permanecem em casa. A arte ajuda a atravessar momentos difíceis.
A beleza de toda essa movimentação também passa pela sensibilidade de quem habita o território e está acostumado a dar as mãos para construir e garantir o futuro. E são justamente estas miudezas que confortam e estimulam a fé no amanhã; que nutrem a alma.
Magaly Escobar, voluntária no Ponto de Cultura Centro de Artesanato da Região de Januária, conta que em meados de março, logo depois de decretada a pandemia, foram quatorze, quinze dias sem sair de casa. Sozinha com a irmã, ficou muito triste. Além de não poder sair, não conseguia imaginar como ajudar pessoas que, a exemplo de alguns vizinhos do Centro, ela sabia que estavam precisando. Foi então que assistiu a uma missa em que o padre convocava cada um para, de sua casa, estabelecer um propósito, mobilizando seus saberes. Ela se lembrou da máquina de costura de sua mãe, “o som de sua infância”.
“… eu falei: eu vou fazer máscaras para quem precisar! E joguei no grupo do Centro de Artesanato. Aí um foi me dando metro de pano, outro foi me dando a linha, outras me deram elástico. Minhas irmãs fizeram mutirão de doações. Já tinha outra sobrinha minha que também gosta de costurar e fez um monte de máscaras, a minha outra irmã fez outro lote de máscaras… Isso foi virando uma bola de neve.”
Isso foi o que a animou. Por meio da costura, ela se sentiu presente para o outro, mesmo distante fisicamente. Esse sentimento fez toda a diferença, deu força para atravessar o momento. Ela contou, emocionada: “Foi como aquela comunhão na missa, que eu não fiz presencial. É a minha comunhão espiritual e é a minha comunhão material com os meus amigos, a minha família e aquelas pessoas que eu nem conheço, mas que precisam. Que estão longe e que podem, desta forma, estar se livrando do vírus, se protegendo.” Sua fala revela o ciclo virtuoso que permeia o ato de voluntariar-se. O voluntário nutre e é nutrido. Seja de alimento, seja de informação, seja de saúde, mas sempre de afeto.
É assim que boa parte do território funciona. A Covid-19 potencializou tudo isso, mas como bem lembra Gleydson Vicente Mota, também do Centro de Artesanato, essas ações de apoio sempre ocorreram no Mosaico. Ele sublinha o trabalho do grupo Art Solidária, formado por 12 mulheres que há duas décadas se sensibilizaram com a situação de famílias mais vulneráveis da região e, por conta própria, funcionando a partir de recursos que arrecadam com a venda do que tecem, bordam, pintam e costuram, além de doações, cobrem muitas pessoas com provisões dos mais variados tipos.
De acordo com Júlia Mendes, que faz parte da coordenação do grupo, durante a pandemia já distribuíram mais de 20 cestas básicas e cerca de 65 cobertores, além de dar continuidade ao trabalho de construção de cômodos e barracões para moradia de quem vive em condições muito precárias. A ideia de continuidade do trabalho é muito presente no pensamento de Júlia. “A gente continua firme e estamos doidas para que passe essa pandemia para que a gente possa retomar nossas reuniões semanais e, por enquanto, nós vamos trabalhando em casa. A gente continua trabalhando em casa”. As formas de agir e impactar a comunidade do Art Solidária dão sinais de como o gesto livre e intuitivo pode, de maneira quase despretensiosa, transformar a realidade do seu entorno. Estas mulheres observam com sensibilidade o que está a sua volta, buscando apoio para, junto com seu trabalho, contribuir para melhores condições de vida. A ideia de efetividade está presente nas construções de banheiros para algumas casas. É o básico, inexistente, que passa a existir. Isso alimenta também, a quem recebe e quem realiza.
Perceber o outro, suas necessidades e o que me oferece como contraparte – principalmente quando essa oferta é de algo que não se pode medir ou ver, a não ser com o coração. É bonito perceber, na fala de Elson Barbosa, o Elsinho, a profundidade das suas relações com o território e as comunidades. Um dos primeiros condutores ambientais da região, seu trabalho é apresentar aos viajantes as gentes e paisagens do território, seu patrimônio ambiental e cultural. Nestes caminhos, e sendo morador local, ele conhece profundamente a complexidade e a riqueza destes lugares. E reconhece sua importância – é a existência destas comunidades nestas terras que permitem seu trabalho e sua subsistência, sua existência. Por isso, com a situação difícil imposta pela doença, Elsinho viu-se impelido a se movimentar para ajudar a suprir as necessidades destas pessoas e, com as ações que desenvolve, diz que não está doando, mas retribuindo.
“Isso nutre muito a gente como pessoa, porque é uma retribuição que eu consegui fazer para a comunidade. É um retorno. Como eu trabalho com o turismo, isso é uma forma de retribuição mesmo com as comunidades. Nutre a alma; a gente como pessoa, já que estamos ajudando nesse momento difícil.” Quem contribui com as ações dele também o faz, de certa forma, por gratidão: gente de todos os cantos que visitou o território e conheceu pessoas e lugares apresentados por Elsinho. Assim, estabelecendo um ciclo de reciprocidade, ele volta às comunidades com cestas básicas, máscaras e itens de higiene e limpeza para a proteção das pessoas que, antes, se deram a conhecer a ele e aos turistas que conduziu.
Na primeira ação que fez, arrecadou o correspondente a 26 cestas básicas que incluíam também álcool em gel e máscaras. Com elas, atendeu às comunidades de Ribeirão de Areia, Vereda, Buraquinhos, Barro Vermelho e São José. Com a continuidade da ação, conseguiu ainda atender as comunidades de Santa Rita, Rio dos Bois e Cachimbo. Elsinho agora espera a chegada de mais máscaras, prometidas pelos amigos que fez nos caminhos de sua profissão.
A vontade de alimentar impulsiona muita gente. Elis uma criança de apenas 5 anos, moradora de Serra das Araras, já compreende a importância de ajudar. Ela é filha de Jéssica Campos, advogada que, tendo vindo de uma família que experimentou muitas necessidades, reconhece os privilégios que pode hoje oferecer à filha. Faz questão de contar a ela histórias de luta e de mostrar que a realidade é mais bonita quando construída coletivamente. Um dia, Elis viu com a mãe uma reportagem retratando um “mercado solidário”, onde quem tinha doava e, quem não tinha, pegava o que precisava. Para a cabeça de uma criança, parecia algo muito simples.
Depois de assistir o vídeo, a menina não teve dúvidas: disse à mãe que queria um mercadinho igual. Jéssica, no início, até pensou que a filha queria brincar de mercado para ganhar um dinheirinho, mas logo percebeu que era algo muito melhor. Ela queria o Mercadinho da Elis, onde as pessoas poderiam buscar o que precisassem pagando apenas com a gratidão. A mãe logo se envolveu na ideia da filha, mas deixou bem claro que, se ela queria fazer aquilo, teria que trabalhar bastante. E foi assim que, por meio de mensagens pedindo doações a familiares e conhecidos, Elis logo conseguiu arrecadar o primeiro recurso e abrir o sonhado mercadinho, com ela atuando na entrega dos produtos. Em dois dias, o estoque acabou, tamanho o sucesso. Jéssica fica orgulhosa da sensibilidade da filha: “Elis sabe que algumas pessoas não tem comida em casa todos os dias, […] consegue ter empatia, e vai além. Ela conseguiu o que a maioria dos adultos não consegue, que é fazer movimento para ajudar o próximo. Com isso, movimentou muita gente inspirando, inclusive, um outro mercadinho nos mesmos moldes, na cidade de Chapada Gaúcha.”
O mercadinho continua firme e forte. Mãe e filha continuam recebendo doações e distribuindo, sempre que o estoque permite ou que alguém as procura, perguntando se tem isto ou aquilo – e se há algo que nunca falta por ali é benquerer. Esse é o motor. E, se pararmos para pensar, é justamente a capacidade de se envolver com as necessidades de quem nos cerca que nos nutre, nos fazendo também mais fortes, corajosos e esperançosos. Quem desacredita do futuro ao saber do Mercadinho da Elis?
* Imagem de destaque da matéria: panela de arroz com pequi de Dona Tina, Januária. A foto é de Kika Antunes.